quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Estudo inédito sobre microcrédito, trás dados nunca antes reunidos numa mesma obra

A tese de Doutorado de Elza Fagundes, Diretora Executiva da ANDE – Agência Nacional de Desenvolvimento Empresarial, Organização que trabalha o microcrédito – é inovadora pela sua abrangência socioeconômica. 

Denominado “Efeitos e contradições do microcrédito”, o estudo aprovado no dia 12 de janeiro de 2009, em apresentação no anfiteatro do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA da Universidade Federal de Pernambuco, trouxe dados novos e ineditamente compilados para o público. A pesquisa quantitativa-qualitativa aliada a uma base teórica rica para desenvolver o tema proposto possibilitou um olhar crítico e distanciado de Elza em relação ao seu campo empírico de estudo, que além da própria ANDE, utilizou a ONG Visão Mundial Brasil, fundada desde 1975 e presente em mais de 100 países, que apadrinha - só no Brasil – 70 mil crianças. 

Com uma trajetória de 26 anos em gestão de ONGs, e execução de projetos sociais, na Visão Mundial, desde 1998 a doutoranda se dedica exclusivamente a um deles: o microcrédito. A ANDE, foi criada pela Visão Mundial, para operar o programa de microcrédito; desde então a organização já atendeu mais de 70 mil pessoas. A  tese tem o objetivo de mostrar os limites e potencialidades do microcrédito. A pesquisa reúne minuciosa bibliografia e dados socioeconômicos atualizados. A publicação de uma obra com estas características, será de grande relevância no estudo das microfinanças no Brasil.

Em sua parte teórica, a doutoranda aborda o abismo que abriu-se entre as classes sociais e como as instituições microfinanceiras estabeleceram um equilíbrio diminuindo essa desigualdade de oportunidades. Em toda América Latina existe mais de 600 organizações que tentam desenvolver dialeticamente seus objetivos financeiros e sociais. Um dos pontos apontados é o crescimento da mulher como empreendedora. Ilustrando essa afirmativa a ANDE tem uma clientela 74% feminina, um dado positivo, pois as mulheres engajadas, além de investir no negócio retornam parte do que lucram para dar mais qualidade de vida para a sua família. 

No Nordeste brasileiro o microcrédito é uma importante ferramenta de desenvolvimento social. Uma vez que 30 milhões de pessoas que vivem nessa região se encontram mergulhadas na pobreza. Esta é a maior concentração existente na América Latina. Estudando vários aspectos de desenvolvimento com pessoas que fazem uso desse recurso, foi possível mensurar várias mudanças no cotidiano desses indivíduos escolhidos para a amostragem. 94% dos entrevistados afirma que depois do crédito têm mais informação sobre saúde e educação; 68% adota a contracepção como meio de planejamento familiar. Contribuindo, indiretamente na saúde da família, pela promoção da higiene devido a instalação de saneamento básico nos banheiros sanitários, por exemplo, temos as reformas nas casas onde moram, feitas por 51,3% deles.

Por meio dos resultados obtidos com a atividade econômica sendo realizada com sucesso, mais necessidades básicas da família são supridas. As crianças tem mais acesso a escolas (mesmo que esta ainda seja pública), compra de material escolar, livros, fardamento. Parte desse comportamento vem das mães empreendedoras que querem um futuro melhor para as suas crias. 59,2% dos clientes, tem filhos em idade escolar e 100% destas crianças – mesmo as que ajudam na execução do negócio - freqüentam a escola. Em contrapartida foi constatado que os jovens, em um número mais reduzido, ingressam nas universidades particulares e não públicas.

A alimentação também foi um quesito observado pela pesquisa. Percebeu-se que 52,8% dos entrevistados melhorou a qualidade da segurança alimentar, enquanto 97,56% aponta não ter havido piora. Segundo a autora, variedade de produtos a mesa e segurança alimentar, também são pontos de elevação da auto estima. Apenas 2,44% da amostragem declara ter escassez alimentar, mas que com a ajuda do crédito em 6 meses superaram essa fase.

Um dado surpreendente da pesquisa, foi que os usuários do microcrédito estão construindo cômodos a mais para complementar a renda familiar através do aluguel. Uma prova da visão empreendedora aguçada dos negociantes é que 88,1% afirmou ter aumentado essa capacidade de uso do dinheiro. Reafirmando esse ponto de satisfação, 80% disse que não largaria seu negócio por um emprego e 86,2% diz que investiu os resultados do incremento de renda no próprio negócio, e que essa injeção financeira potencializa a alavancagem do empreendimento. 80% dos entrevistados se sentiu com um maior poder de decisão sobre o negócio com a ajuda do pequeno empréstimo. Dos clientes que já acessavam crédito há mais de 2 anos, 74,1% afirmou que as receitas cresceram. 17,30% declarou que não houve alterações e 8,6% informou que suas receitas caíram.

Como a ANDE foi criada para atender as necessidades das pessoas baixo da linha da pobreza, além de trabalhar com o Crédito Individual, ela também tem seus produtos solidários (Banco Comunitário e o Grupo Solidário). Com essa postura a Organização defende a luta contra o aumento da pobreza promovendo o desenvolvimento com a ascensão econômica de grupos de uma mesma comunidade, tornando os negócios sustentáveis pela interdependência deles, uma vez que habitam a mesma região geográfica. Apesar de ter sido verificado nesta pesquisa a vontade desses empreendedores migrarem para a modalidade individual, sem precisar de um amigo para se associar e obter o microempréstimo, 73% dos empreendedores da ANDE pertence a grupos solidários, onde o valor total concedido é de responsabilidade de todos, obrigando a quitação do débito independente do não cumprimento de algum deles. Mesmo com esse ponto de insatisfação 80% dos clientes apreciam o atendimento, a rapidez de acesso ao crédito, serviços complementares (ex: educação financeira), possibilidade de poupar e a preocupação com o desenvolvimento social  organização e do empreendedor.